Era 2012. O ano que o mundo ia acabar. E no auge dos meus 19 anos, ganhei essa câmera sem a mínima noção do que isso faria com a minha vida quase 10 anos depois.
Comecei cometendo o erro clássico de todos os fotógrafos iniciantes: fotografando crianças por achar que é mais fácil e menos responsabilidade. A foto pela foto nunca me encantou, sabia? Só que alguma coisa me prendia a isso. E a cada foto de filhos de amigos, parentes que eu fazia de graça, fui percebendo que fotografar famílias é a MAIOR responsabilidade da vida de um profissional que conta HISTÓRIAS.
No fim de 2012 comecei a ficar extremamente incomodada por ver uma geração de pais que não revelam mais fotos - o que consequentemente significa uma geração de crianças sem fotos. Me peguei argumentando incansavelmente que o papel do fotógrafo termina no papel, que a memória é construída pela foto, que o impresso é a única forma de garantir que não se perca nada e, sem ver, me transformei em uma contadora de histórias profissional.
Nessa altura, Igor já estava morando comigo e começando a namorar a carreia de designer. Convenci ele a trabalhar para mim - ele não recebia nada além de ordens (hahaha). E no final de 2012 nascia nosso primeiro filho: A PASSARINHO.
2013. Eu não tinha a menor ideia de onde eu estava entrando, mas já não me parecia certo tirar preços de atrás da orelha se meus argumentos para as pessoas fazerem fotos eram tirados do meu coração. Eu sentia que "o meu melhor" precisar melhorar muito.
Muitos cursos de administrar uma empresa, cursos de fotografia, de diagramação. Um mundo que sempre esteve ali para tanta gente e nunca tinha sido apresentado pra mim. Num dia eu me sentia adulta por ter a maioridade, no outro eu estava na fila do banco abrindo uma conta de Pessoa Jurídica.
2013 e eu escuto o assobio da bomba caindo. Ao preencher papéis que perguntavam minha profissão eu já não colocava mais "estudante". Virei uma década de vida e cheguei ao marco dos 21 anos. Eu dividia contas e casa com um homem e se não bastasse toda essa vida de adulto, uma outra bomba pra terminar a demolição da minha vida velha. Uma bomba de 46cm, 2655kg que chegou com nosso sobrenome, num dia de muita chuva, às 12:55.
17 de outubro de 2013. Chegou Manoel. Cabeçudo igual um ET, fazia barulhos de ratinho e era cheio de caretas. Um ser todinho meu. Um modelo vivo, 24h por dia (e noite). Chegou mudando absolutamente tudo. Meu corpo, minha casa, minhas contas, e principalmente o meu trabalho. Parece que o jogo virou, não é mesmo? Eu não sentia mais que fotografar crianças era fácil. Como mãe, ali, eu sentia que eu não queria perder nada, nadica, nem um segundo, nem um sorriso, nem um choro da madrugada, nada. Queria guardar ele num potinho exatamente com aquele cabelinho ralo e linguinha branca.
Abracei meu filho ao mesmo tempo que abracei meu papel dentro das famílias que me contratavam. Eu não poderia me sentir mais importante! Sentir na pele o que eu sou capaz de fazer por essas crianças... Afinal, livros de histórias são mais legais quando tem imagens, né?
Por todos esses anos tenho falado com as famílias que vem aqui e vou repetir: não existe nada, nem carreira, nem viagem, nem casa, nem carro, nem idade, nada na vida que mude a gente de forma tão intensa e permanente do que filhos. Estar do outro lado foi transformador e, de todas as formas, isso foi construindo minha consciência de que meu trabalho tem valor daqui muitos, muitos anos. Aos poucos foi sendo (e está sendo) construída uma história sobre contar histórias.
2017, o ano da bomba com nome de flor. Minha vida estava totalmente sob controle de novo até que, no mesmo tamanho e peso, também com chuva, mas dessa vez às 14:05. 26 de abril de 2017. Eu te nasci, minha pequena (minúscula) Liz. E quando te peguei, só conseguia pensar no quanto seu irmão era pequeno e eu não percebi até ver você do mesmo tamanho. Quando eu achava que já tinha mudado tudo que tinha pra mudar, muda tudo de novo. Tudo novo. E eu, tão cega de amor, não vi o tempo passar. Pessoas falavam "ela ganhou neném". Mas eu ganhei foi o mundo inteiro.
Comecinho de 2018 Igor pediu demissão do emprego pra ficar somente na Passarinho. Um frio na barriga de montanha russa e a mesma sensação de quando estamos em terra firme de novo: "Que loucura, vamos de novo? Vamos numa mais alta?"
Mais cursos, viagens, cantos do Brasil que nunca pensamos em ir, pessoas que nunca pensamos em conhecer. Muitos ajustes na empresa, na rotina, nas crianças. Sonhos foram substituídos por metas. Palavras foram excluídas no nosso vocabulário. E enquanto isso o relógio sempre funcionando. Sempre, não pra sempre.
A cada passo, Passarinho!
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